CABEÇALHO-Pintura oferecida à Escola Secundária Augusto Cabrita, pelo pintor do Barreiro Kira, em homenagem ao seu amigo Augusto Cabrita.

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

 



Carlos Drummond de Andrade (Itabira, 31 de outubro de 1902 — Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1987) foi um poeta, contista e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX. Drummond foi um dos principais poetas da segunda geração do Modernismo brasileiro.

O poema BIBLIOTECA VERDE trata de uma coleção de livros, que reunia grande quantidade de obras célebres e vinha encadernada em 24 volumes, totalizando 12 224 páginas. O menino do poema pede insistentemente os livros de presente... Será que podemos comparar com os meninos de agora, que pedem computadores, tablets, video games e outros? Carlos Drummond de Andrade, aos 10 anos, recebeu de seu pai uma BIBLIOTECA VERDE.

DIA DA BIBLIOTECA ESCOLAR

26 de outubro

      BIBLIOTECA VERDE

– Papai, me compra a Biblioteca Internacional de Obras Célebres. 

São só 24 volumes encadernados em percalina verde.

– Meu filho, é livro demais para uma criança!...

– Compra assim mesmo, pai, eu cresço logo.

– Quando crescer, eu compro. Agora não.

– Papai, me compra agora. É em percalina verde, 

só 24 volumes. Compra, compra, compra!...

– Fica quieto, menino, eu vou comprar. 

– Rio de Janeiro? Aqui é o Coronel.

Me mande urgente sua Biblioteca

bem acondicionada, não quero defeito.

Se vier com um arranhão, recuso. Já sabe:

Quero a devolução de meu dinheiro.

– Está bem, Coronel, ordens são ordens.  

Segue a Biblioteca pelo trem-de-ferro, 

fino caixote de alumínio e pinho.

Termina o ramal, o burro de carga

vai levando tamanho universo. 

Chega cheirando a papel novo, mata

de pinheiros toda verde. 

Sou o mais rico menino destas redondezas.

(Orgulho, não; inveja de mim mesmo)

Ninguém mais aqui possui a coleção das Obras Célebres.

Tenho de ler tudo. Antes de ler,

que bom passar a mão no som da percalina, 

esse cristal de fluida transparência: verde, verde...

Amanhã começo a ler. Agora não.

Agora quero ver figuras. Todas.

Templo de Tebas, Osíris, Medusa, Apolo nu, Vénus nua...

Nossa Senhora, tem disso nos livros?!... 

Depressa, as letras. Careço ler tudo.

A mãe se queixa: Não dorme este menino.

O irmão reclama: Apaga a luz, cretino! Espermacete cai na cama, queima a perna, o sono.

Olha que eu tomo e rasgo essa Biblioteca

antes que pegue fogo na casa.

Vai dormir, menino, antes que eu perca a paciência e te dê uma sova.

Dorme, filhinho meu, tão doido, tão fraquinho.

Mas leio, leio... Em filosofias tropeço e caio,

cavalgo de novo meu verde livro,

em cavalarias me perco, medievo;

em contos, poemas me vejo viver.

Como te devoro, verde pastagem!...

Ou antes carruagem de fugir de mim

e me trazer de volta à casa

a qualquer hora num fechar de páginas? 

Tudo que sei é ela que me ensina.

O que saberei, o que não saberei nunca,

está na Biblioteca em verde murmúrio

de flauta-percalina eternamente.


                               Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Hoje sugerimos um poema de 

Manuel António Pina

Na Biblioteca

O que não pode ser dito

guarda um silêncio feito

de primeiras palavras

diante do poema, que chega sempre demasiado tarde,

 

quando já a incerteza

e o medo se consomem

em metros alexandrinos.

Na biblioteca, em cada livro,

 

em cada página sobre si

recolhida, às horas mortas em que

a casa se recolheu também

virada para o lado de dentro,

 

as palavras dormem talvez,

sílaba a sílaba,

o sono cego que dormiram as coisas

antes da chegada dos deuses.

 

Aí, onde não alcançam nem o poeta

nem a leitura,

o poema está só.

E, incapaz de suportar sozinho a vida, canta.

Manuel António Pina, in Poesia, Saudade da Prosa: uma antologia pessoal

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

No mês das Bibliotecas Escolares iremos partilhar algumas leituras. Começamos com um texto de José Luís Peixoto.

"Os livros, esses animais sem pernas, mas com olhar, observam-nos mansos desde as prateleiras. Nós esquecemo-nos deles, habituamo-nos ao seu silêncio, mas eles não se esquecem de nós, não fazem uma pausa mínima na sua vigia, sentinelas até daquilo que não se vê. Desde as estantes ou pousados sem ordem sobre a mesa, os livros conseguem distinguir o que somos sem qualquer expressão porque eles sabem, eles existem sobretudo nesse nível transparente, nessa dimensão sussurrada. Os livros sabem mais do que nós mas, sem defesa, estão à nossa mercê. Podemos atirá-los à parede, podemos atirá-los ao ar, folhas a restolhar, ar, ar, e vê-los cair, duros e sérios, no chão.

(...) Os livros, esses animais opacos por fora, essas donzelas. Os livros caem do céu, fazem grandes linhas rectas e, ao atingir o chão, explodem em silêncio. Tudo neles é absoluto, até as contradições em que tropeçam. E estão lá, aqui, a olhar-nos de todos os lados, a hipnotizar-nos por telepatia. Devemos-lhes tanto, até a loucura, até os pesadelos, até a esperança em todas as suas formas".

 

José Luís Peixoto, in Jornal de Letras (Maio, 2011)

 Passatempo

NO MUNDO DOS LIVROS…



terça-feira, 6 de outubro de 2020