DIA DA BIBLIOTECA ESCOLAR
26 de outubro
BIBLIOTECA VERDE
– Papai, me compra a Biblioteca Internacional de Obras Célebres.
São só 24 volumes
encadernados em percalina verde.
– Meu filho, é livro
demais para uma criança!...
– Compra assim mesmo,
pai, eu cresço logo.
– Quando crescer, eu
compro. Agora não.
– Papai, me compra
agora. É em percalina verde,
só 24 volumes. Compra,
compra, compra!...
– Fica quieto, menino, eu vou comprar.
– Rio de Janeiro? Aqui
é o Coronel.
Me mande urgente sua
Biblioteca
bem acondicionada, não
quero defeito.
Se vier com um
arranhão, recuso. Já sabe:
Quero a devolução de
meu dinheiro.
– Está bem, Coronel, ordens são ordens.
Segue a Biblioteca pelo trem-de-ferro,
fino caixote de
alumínio e pinho.
Termina o ramal, o
burro de carga
vai levando tamanho universo.
Chega cheirando a
papel novo, mata
de pinheiros toda verde.
Sou o mais rico menino
destas redondezas.
(Orgulho, não; inveja
de mim mesmo)
Ninguém mais aqui
possui a coleção das Obras Célebres.
Tenho de ler tudo.
Antes de ler,
que bom passar a mão no som da percalina,
esse cristal de fluida
transparência: verde, verde...
Amanhã começo a ler.
Agora não.
Agora quero ver
figuras. Todas.
Templo de Tebas, Osíris, Medusa, Apolo nu, Vénus nua...
Nossa Senhora, tem disso nos livros?!...
Depressa, as letras.
Careço ler tudo.
A mãe se queixa: Não
dorme este menino.
O irmão reclama: Apaga
a luz, cretino! Espermacete cai na cama, queima a perna, o sono.
Olha que eu tomo e
rasgo essa Biblioteca
antes que pegue fogo
na casa.
Vai dormir, menino,
antes que eu perca a paciência e te dê uma sova.
Dorme, filhinho meu,
tão doido, tão fraquinho.
Mas leio, leio... Em
filosofias tropeço e caio,
cavalgo de novo meu
verde livro,
em cavalarias me
perco, medievo;
em contos, poemas me
vejo viver.
Como te devoro, verde
pastagem!...
Ou antes carruagem de
fugir de mim
e me trazer de volta à
casa
a qualquer hora num fechar de páginas?
Tudo que sei é ela que
me ensina.
O que saberei, o que
não saberei nunca,
está na Biblioteca em
verde murmúrio
de flauta-percalina eternamente.
Carlos Drummond
de Andrade
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